In memoriam a Carl Sagan (1934-1996)
Introdução
Só aquele que possui uma fé profunda pode se dar ao luxo do ceticismo
Friedrich Nietzsche
A astrologia surgiu a mais de 3.000 anos, provavelmente na Babilônia. Numa definição mais prática, pode-se dizer que se trata de um sistema de crenças que pretende prognosticar o futuro ou as características de um indivíduo por meio de cálculos relativos à posição dos planetas no momento do seu nascimento.
É definida pelo astrólogo J. A. Cesar Müller como: “O termo astrologia significa conhecimento dos astros. A sua primeira finalidade é prospectiva, sendo considerada também como arte sagrada, pois trata dos fatos do destino, interpretando emoções.“ [1]
As técnicas astrológicas eram consideradas muito importantes no princípio, pois eram bem aceitas pelas classes dominantes e também por ainda não haver uma diferenciação entre elas e a astronomia. Tudo caminhava junto. No entanto, com o surgimento das bases científicas e das posições racionalistas de homens como Nicolau Copérnico (1473–1543), Johannes Kepler (1571–1630) e Isaac Newton (1643–1727), a astrologia começou a declinar, pois não apresentava bases científicas para a cultura da época.
Até hoje, os conhecimentos científicos questionam a validade da astrologia. Portanto, através da razão e do bom senso, não se deve levar a sério esta pseudociência. Nas linhas seguintes serão apresentados argumentos suficientes para demonstrar a invalidade das técnicas astrológicas.
Astronomia heliocêntrica X astrologia geocêntrica
Não há crença, por mais imbecil que seja, que não irá receber partidários ferrenhos e será defendida até a morte
Isaac Asimov
A astronomia e a astrologia possuem visões diferentes sobre o heliocentrismo e o geocentrismo. Para os astrônomos, a movimentação dos astros pelo Cosmo não contém nenhum significado “especial”, além do simples fato do périplo dos planetas e estrelas (“planeta” em grego significa viajante). Para os astrólogos, a movimentação de objetos celestes ganha “algo a mais”, pois consideram que o Sol gira em torno da Terra e o centro supremo deste fato é a mente humana.
Na história da ciência, tal alegação já foi estagnada há séculos pelas grandes mentes que viveram nesta biosfera. Mas, apesar de todos esses conhecimentos e avanços científicos, essa pseudociência nunca perdeu “pontos” por isso — ao extremo contrário, a cada dia se alastram homens aos mais diversos em estudá-la, sem qualquer método crítico.
Segundo o astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934–1996), talvez haja dez vezes mais astrólogos do que astrônomos nos Estados Unidos, além da França existir mais astrólogos do que padres católicos romanos. [2]
No mundo em que grandes astrônomos como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei (1564–1642) ou Tycho Brahe (1546–1601) se dedicavam também à astrologia — talvez pelo prestígio dela na época —, atualmente astrônomos sérios simplesmente a abominam, depois da sedimentação de conhecimentos modernos e válidos.
Cálculos errôneos
Evitar superstições é outra superstição
Francis Bacon
Uma grande crítica à astrologia é o fato de que ela baseia seus cálculos nos corpos celestes que são eventualmente conhecidos pelos homens. Considera não apenas que os planetas influenciam o curso de vida da humanidade, como defendem também que esses efeitos variam de pessoa para pessoa, segundo a data e a hora de seu nascimento.
Cláudio Ptolomeu (90 d.C.–168 d.C.), um dos maiores intelectuais do século II, estabeleceu os princípios da influência cósmica que constituíram as bases da astrologia de sua época, na qual só eram conhecidos, além do Sol e da Lua, cinco planetas.
Portanto, apenas estes astros “influenciariam” os indivíduos, isentando a ação de qualquer outro corpo celeste. No entanto, hoje já se conhecem nove planetas em nosso Sistema Solar; todos agora admitidos pelos astrólogos. Em vista disso, a astrologia teria demonstrado erros ao longo de sua existência, pois não considerava os cálculos destes astros.
Os astrólogos apontam os planetas, essencialmente o Sol e a Lua, como influentes na vida e no destino dos homens. Mas, a ciência moderna considera que somente a Lua e o Sol trazem efeitos, não aos humanos, mas às marés da Terra.
Sendo assim, os efeitos dos campos gravitacionais dos outros planetas são pequenos demais para exercer qualquer função detectável nos oceanos, e muito menos em corpos tão diminutos como são os cérebros humanos (ou mais ainda em suas intrincadas conexões neurais). Como disse o físico estadunidense Steven Weinberg:
“De fato, não creio que a maioria das pessoas que acreditam em astrologia imagine que ela funcione devido a gravitação ou a qualquer outro agente do escopo da física; acho que acreditam na astrologia como uma ciência autônoma com suas próprias leis fundamentais, que não serão explicadas pela física ou qualquer outra coisa. Um dos grandes benefícios da descoberta do padrão das explicações científicas é o de nos mostrar que não existem tais ciências autônomas”. [3]
Ao longo dos tempos a astrologia vem adicionando novos elementos em suas técnicas, à custa da ciência. Inicialmente considerando apenas os planetas visíveis, posteriormente adaptando seus estudos à novas descobertas de astros. Porém, ainda hoje abominam uma enorme variedade de novos objetos astronômicos, descobertos recentemente através das novas tecnologias de telescópios e satélites.
Nessas descobertas recentes e parciais foram catalogados 5.000 asteroides de variados tamanhos, bem próximos à Terra (muitos destes se encontram mais próximos à Terra do que os planetas distantes), fato este que os astrólogos desprezam em seus cálculos e não consideram que os mesmos influenciam os homens. Desde então, onde está a astrologia dos asteroides próximos à Terra?
Uma ciência autônoma?
Duvidemos até mesmo da própria dúvida
Anatole France
Os astrólogos consideram seus estudos como uma ciência autônoma, como se infere de Müller: “Ao ser confrontada com os padrões atuais do conhecimento, a estrutura de interpretação da astrologia é irracional“. [1] Percebe-se que ele não quer admitir a astrologia como irracional. Prefere acusar os “padrões atuais do conhecimento”, ou seja, as teorias científicas, de não serem as corretas.
Entretanto, assim como as leis fundamentais da física (inclui aí a teoria da gravitação, já utilizada como argumento anteriormente), toda uma história de pesquisas e descobertas não podem ser desprezadas. Por conseguinte, nota-se que os astrólogos veem a astrologia como uma ciência isolada, com suas próprias regras, e imune a leis já existentes.
Subjetividade
Superstições são hábitos mais do que crenças
Marlene Dietrich
Um fato inegável é que as interpretações feitas na astrologia são sempre rodeadas de subjetivismo. Os maiores exemplos são os horóscopos e os mapas astrais. Esses últimos falam do que “possivelmente” pode acontecer a uma pessoa, a um país, uma firma, entre outros. Nada é certo por completo; o astrólogo está sempre com um passo atrás, tornando os mapas astrais uma infindável “cartola mágica”, onde todo tipo de argumento pode ser usado.
Com relação aos horóscopos, a subjetividade é também constante. Dão margem a interpretações diferentes e continua a não ter certeza dos acontecimentos. Disse Müller: “Interpretar um horóscopo não significa afirmar, taxativamente, que tal fato irá acontecer, mas a probabilidade de que aconteça”. [1]
Então, isso tudo significa dizer que tais instrumentos (horóscopos e mapas) se limitam a reafirmar a probabilidade matemática. Indagar que algo é provável de acontecer é algo fácil de se fazer através da observação de indícios.
Por exemplo, se o tempo está nublado, existem muitas chances de que logo chegue uma chuva. Além disso, qualquer um pode dar conselhos, tais como “modere com a comida” ou “faça exercícios físicos”, já que são temas tão gerais que afetam a todos.
Uma nova era: a Era de Aquários
Existem verdades que a gente só pode dizer depois de ter conquistado o direito de dizê-las
Jean Cocteau
Há cinco mil anos apareceram na Mesopotâmia os primeiros estudos sistemáticos do céu. Para o homem reconhecer as estrelas mais brilhantes, ele as agrupou e designou nomes, aparecendo as constelações.
O estudo da movimentação das estrelas era uma ferramenta essencial para essas civilizações remotas, pois marcava as estações e indicavam o período de plantar e colher. Ainda na antiguidade, a base numérica mais importante era a base 12, por isso foram criadas 12 constelações no caminho anual do Sol, o Zodíaco.
Posteriormente, os astrólogos indicaram que esses movimentos e sinais celestes influenciavam as vidas terrenas — como acontece hoje com as massas desinformadas ao se assustarem com alinhamentos, eclipses e conjunções planetárias, interpretando-os como presságios. Sendo assim, existe hoje a crença dos astrólogos e esotéricos em geral sobre uma nova Era. Uma Era que virá e criará novos valores à humanidade: a “Era de Aquários”.
Essa “nova” Era não é um fenômeno nada fantástico, mas apenas relacionado a lentíssima precessão dos equinócios, que os astrólogos não levam em consideração. A precessão é um entre muitos outros movimentos do planeta Terra, em que este muda lentamente a posição dos pólos, ao passo que em períodos de 27 mil anos dar-se uma volta completa.
Com essa contagem, as Eras ficam divididas em períodos de mais de dois mil anos. Atualmente estamos passando de uma Era para outra, ou seja, o Sol situado hoje na constelação de Peixes está mudando lentamente sua posição, movendo-se para a direção da sua vizinha Aquários.
Isto é um fenômeno raro e a única relação que causa aos humanos é a chegada da primavera no hemisfério Norte. Não existe qualquer relação com a chegada de novos valores à humanidade, nem a uma grande salvação ou ao alcance de novos degraus evolutivos.
A grande expectativa para os meios científicos é exatamente pela raridade deste fenômeno. (A chegada da primavera se dá apenas no hemisfério Norte, sendo que no hemisfério Sul inicia-se o outono — fato desconhecido quando a astrologia foi criada, ao pensarem que as estações eram iguais em todo o mundo). Como disse o astrônomo amador Luiz Lima do Nascimento:
“É o fascínio pelo céu e pelo desconhecido a única força misteriosa e poderosa que nos excita com a nova Era. O nosso misticismo natural é que nos atrai para estórias sobre as mudanças que estão por vim. Alguns, mais fracos, não conseguem sozinhos viver suas vidas. Precisam que ‘deuses’ enviem sinais (fenômenos celestes, porque o céu é o local onde os deuses vivem) para orientar suas vidas, e consultar ‘oráculos’ (esotéricos e horóscopos) para tirar forças e continuar seu dia a dia”. [4]
Assim sendo, encontramos astrólogos como absolutos neoplatônicos, com uma alta dosagem de literatura salvífica ao interpretar meros fatos celestes como transições de Eras inovadoras e a chegada de um moderno “Jardim do Éden”.
Considerações finais
Analise cada pedaço de uma pseudociência e você encontrará um cobertor de segurança, um dedo polegar para chupar. E o que nós temos para oferecer em troca? Incerteza! Insegurança!
Isaac Asimov
Diante dos fatos, fica evidente que a astrologia não tem sustentáculos eficientes para comprovar as suas técnicas. Também não se pode deixar de mencionar que esta pseudociência é hoje em dia uma atividade rentável. Basta ver, por exemplo, os jornais escritos possuírem uma coluna diária sobre o assunto, enquanto que só alguns poucos mantêm uma nota semanal de astronomia.
É abundante a existência de astrólogos “profissionais” que cobram abusadamente ao fazer mapas astrais, fixando-se em temas materiais ou matrimoniais, descarregando um fluxo ininterrupto de bens benéficos a vítima e, não menos, amaciam o ego desta.
Pensar que isso tudo está muito próximo de se extinguir é equivalente a acreditar cegamente, sem filtros críticos, em tal falsa ciência. A luz do conhecimento está muito longe de iluminar as mentes menos favorecidas e criar sólidas conexões neurais. Infelizmente, ainda é um sonho e não sabemos se chegaremos lá.
Referências
[1] MÜLLER, Juan Alfredo Cesar; MÜLLER, Léa Maria Pileggi. O que é astrologia. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção Primeiros Passos, 22).
[2] SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. Tradução de Rosaura Eichemberg. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
[3] WEINBERG, Steven. Sonhos de uma teoria final: a busca das leis fundamentais da natureza. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
[4] NASCIMENTO, Luiz Lima do. Nova Era e daí? Apolo: um mensageiro do Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas, Alagoas, v. 7, n. 3, p. 2, abr. 1997.
Não tenho nenhuma observação sobre sua segunda parte, quanto ao que está escrito. Realmente a Astrologia Natal se mostra dúbia em diversos pontos, principalmente para a descrever a mente humana, mas esta é tão complexa que nem mesmo a psicologia, área que se dedica exclusivamente à ela, pôde decifrar o enigma. Por isso acho deveras arriscado quando vejo Astrólogos que nunca estudaram parte da mente humana quererem prever gostos e desgostos de alguém tão rapidamente, mas muita na Astrologia coisa pode-nos ser útil, como a mim tem sido, um exemolo disso nas outras Áreas de Astrologia, como a Médica, e só Deus sabe o quanto. Também para a predições de eventos da vida, basta saber como escolher um bom profissional, pois há muito joio no meio do trigo, e digo muito mesmo, mas tenho percebido que as pessoas gostam de seguir os gurus astrológicos mais bizarros, que falam de karma e usam ‘roupa de indiano’ mesmo quando moram em Goiânia. Porém, devo-lhe dizer que nem toda a parte da Astrologia é subjetiva. Se tiveres a oportunidade de pesquisar sobre Astrologia Horária perceberá do que falo e se tiver a oportunidade de aprendê-la, nunca mais duvidará dela.
Realmente Astrologia não é ‘ciencia’ mas o erro do homem da ciência é achar que tudo há de sê-la ou então está errado, ou que tudo tem a prevenção de sê-la. Tu fica com tua ciência aí, eu fico com minha arte divinatória cá. Ptolomeu provavelmente me repreenderia, mas assim que tem que o ser. Abraços.
*Pretensão de sê-la.
Na verdade, há dois erros primordiais em sua argumentação, deixe-me corrigir. Está escrito que além de Sol e Lua, consideravam-se seis planetas, mas na verdade, consideravam-se cinco além dos luminares: Saturno, Júpiter, Marte Vênus e Mercúrio. Esse é um erro de digitação, mas o segundo erro é sobre a linha de pensamento. Nem todos os Astrólogos consideram os planetas exteriores, Urano, Netuno e Plutão [que já foi desistituído da categoria de Planeta, mas não importa]. Apenas os Astrólogos modernos, isso é, que seguem a Astrologia ‘reinventada’ a partir do século XIX, se não me engano, os consideram. Há ainda os que apenas consideram os sete planetas clássicos [Sol e Lua são chamados assim], que são os Astrólogos clássicos, aquelas que seguem as tradições helenista, medieval, árabe, contemporânea, indiana, dentre outros.
Em Astrologia, tradicionalmente, se leva em conta o posicionamento planetário e a influência das estrelas fixas, isso porque a definição para que eles influam é de que sejam corpos celestes que possuam luz própria visível, inclusive, quanto maior a orbe do planeta e quanto mais brilhante a estrela, maior o seu campo de influência. Logo, os planetas descobertos “recentemente” não se enquadram nessa definição, muito menos os milhares de asteróides da galáxia.
Muito embora eu não ache que eles devessem ser desconsiderados, mas esso é outro caso. Enfim, vou continuar lendo. Ver o que me espera.
Achei ótimo o texto acima. Em sua forma e em seu conteúdo, límpido como deve ser. Pena que mentes inéptas, crentes de sandices como astrologia, quiromancia, tarô, não param a fim de ler isso.
Faltou um conteúdo, no entanto. Sugiro acrescentar as técnicas de leitura fria (cold reading), hoje difundidas e tornadas públicas por P.T. Barnum e trazidas a lume pro Derren Brown… Sabendo-se essas técnicas de linguagem ampla que parecem dizer coisas específicas, qualquer um poderia se tornar \’astrólogo\’… Mais uma maneira de mostrar a farsa dessa pseudociência.
Abraço. Tens que divulgar mais este texto!
Isaque,
Obrigado pelas palavras. Isto foi escrito há um bom tempo atrás, porém ainda continua atual no geral. Pode divulgá-lo à vontade.