A importância em reunir diversas entrevistas e depoimentos do fotógrafo Almiro Baraúna (1916–2000), concedidas depois do caso Ilha da Trindade ter ocorrido em 16 de janeiro de 1958 a bordo do navio-escola Almirante Saldanha da Marinha, é crucial para a análise e entendimento desse complexo caso.
Depois que o episódio na Ilha da Trindade aconteceu, com entrevistas do fotógrafo concedidas à imprensa em fevereiro de 1958, e até onde se conhece hoje, o seu depoimento público apresentado abaixo seria o mais antigo já registrado. A data deste depoimento é de 03 de maio de 1960, realizado em uma das reuniões da Sociedade Brasileira de Estudos Sobre Discos Voadores (SBDEV).
O grupo era presidido pelo pesquisador Walter Karl Buhler (1933–1996) e o testemunho de Baraúna foi publicado no boletim informativo do próprio grupo, de nº 16 de 01 de julho de 1960. Posteriormente, em boletins subsequentes, o próprio Baraúna aparece como integrante do quadro da diretoria da SBEDV, no cargo de suplente do conselho fiscal.
Alguns pesquisadores possuem os boletins da SBDEV e conhecem esse depoimento. Entretanto, desde que o caso vem sofrendo uma revisão sistemática na última década, este depoimento tem sido pouco divulgado ou mesmo esquecido no tempo. Portanto, reavivamos este testemunho com sua reprodução na íntegra (com a pontuação original):
“O disco voador na Ilha da Trindade – O nosso Boletim Informativo nº 4, do mês de julho de 1958 noticiou o caso do aparecimento de disco voador que as manchetes dos jornais da época consagraram como disco voador da Ilha da Trindade.
Os que vêm acompanhando estes fatos hão de lembrar-se de que um disco voador foi naquela ocasião fotografado de bordo do navio-escola Almirante Saldanha pelo fotógrafo Almiro Baraúna. Agora, em reunião de 3 de maio pp. a Sociedade, numa de suas sessões teve ensejo de ouvir o Sr. Almiro Baraúna. Resumindo, assim falou o Sr. Almiro Baraúna:
Não acreditava em disco voador. Tendo conseguido uma série de fotografias de disco, por meio de um truque. O Vinicius me pediu que consentisse a publicação no ‘Mundo Ilustrado’; daí a reportagem — Um disco voador esteve lá em casa — como uma réplica a de João Martins sobre o disco voador na Barra da Tijuca. Um dia, quando regressava a casa, em Niterói, Icaraí, vi um objeto sobre o Pão de Açúcar, voando em direção à Urca e retornado ao Pão de Açúcar.
Bati duas fotografias. Revelei-as e ampliei-as. Apareceu então, uma mancha luminosa clara, com um semicírculo escuro no centro. Enviei-as ao João Martins, aproveitando a oportunidade para explicar a reportagem — Um disco voador apareceu lá em casa. Numa carta J. Martins, agradeceu solicitando novas informações sobre um disco voador na estrada ‘Amaral Peixoto’ visto por um meu amigo.
Em outubro de 57, fui convidado pela Marinha para filmar um desembarque na Ilha da Trindade. Aceitei e, na ocasião do embarque de retorno, tomei comprimidos contra enjoo porque a lancha que nos conduzia da terra ao navio Almirante Saldanha jogava muito.
A bordo recolhido ao camarote, com enjoo, fui convidado a ir a coberta pelo capitão Viegas, indo então repousar debaixo de um canhão. Tinha levado umas 4 máquinas que estavam comigo no camarote, quando Farias de Azevedo, me chamou, pedindo que fotografasse uma lancha que ia ser suspensa e recolhida a bordo.
Neste momento, capitão Viegas da popa do convés onde se encontrava com mais 4 civis e demais oficiais bradou: ‘Olhe, fotografe aquilo’ e todos correriam para todos os lados. Não pude definir bem o que via, pelo enjoo e dor de cabeça.
Apenas vi uma coisa brilhante, da qual consegui bater 6 fotografias em 14 segundos (incluindo o tempo de abertura da máquina). Mesmo assim duas fotografias falharam porque com a confusão que estabeleceu fui jogado contra a amurada. Cada qual viu o objeto diferente do outro; para o capitão reformado José Teobaldo Viegas era redondo, ovalado para outros.
A velocidade era incrível, por instantes parava no ar. Era de cor ligeiramente cinza, esverdeado, sem contornos rígidos um halo resplandecente (aviador J. T. Viegas). Capitão Homero de Carvalho, um dos oficiais de bordo se encontrava, naquele instante, na proa, que não é lugar de oficial.
Mas, no dia anterior, àquela mesma hora (15 minutos que antecedem ao ½ dia) o operador do radar, havia registrado na tela um ponto luminoso, e uma vez que não havia nada no ar, nesse momento, ficaram todos de sobreaviso quando, no dia seguinte, à mesma hora, o mesmo ponto foi registrado pelo radar.
Foram então, destacados 2 oficiais. O outro oficial era o capitão Homero, que alertou o pessoal, na hora da aparição. Houve ainda um terceiro oficial, médico, que apesar de munido de uma máquina carregada com 12 chapas, ficou inibido na ocasião. Havia ainda cerca de 50 pessoas na coberta do navio, inclusive o comandante Paulo Moreira da Silva, que como cinematografista destacado para a Ilha de Trindade teria filmado 14 pés de filme do objeto estranho.
Minha máquina era Rolleiflex. A revelação do filme foi feita em 20 minutos em câmara improvisada, a bordo. A exposição foi de 1/125. Calculou-se, posteriormente, altura do disco, que era de 8 m e largura 30 a 40 m, com a velocidade média de 1.1001 ms horários a uma distância de 14 quilômetros. Num céu claro, onde havia muitas nuvens o objeto aumentava e diminuía sua intensa luminosidade, que era bastante e não podia ser reflexo do sol, porque não projetava sombra.
O objeto se deslocava do horizonte para o pico Desejado, deixando no céu um rastro branco, como um risco de giz, que se desfazia vagarosamente. Desapareceu atrás das pedras do referido pico, de retorno reapareceu a seguir, como que parado, ondulando ligeiramente, como um balão, e como a ‘correr no céu’ deixando aquele traço branco, parando na linha do horizonte e foi diminuindo, até desaparecer. Não havia ruído nenhum, aliás a rebentação do mar, e, o ruído dos guinchos de bordo, não permitiriam ouvi-lo.
Os guinchos ficaram com o movimento ‘como emperrados’ depois do desaparecimento do objeto. Após tudo serenado, todos tinham descido ao refeitório e o navio se pôs em movimento, parando minutos depois. Notificado da ocorrência o tenente Nilton [a] abandonou a mesa, retornando com a explicação ‘que o eixo da máquina, estava esquentando’. Foi ainda chado [b] duas vezes, não mais retornando.
Informou o repórter da Manchete, Paulo Mendes Campos, que, segundo alta patente da Marinha, coincidiu com o aparecimento do disco voador a ausência de funcionamento de vários aparelhos, inclusive o rádio e a bússola, esta última fica no compartimento conhecido de ‘Tejupá’, [c] local privativo aos oficiais.
Com relação ao filme verificou-se a bordo, que havia superexposição e, em Niterói, foi feito um ‘rebaixamento’, que possibilitou as ampliações das quais 30 foram cedidas pela Marinha, para divulgação, A Sociedades especializadas.
Posteriormente, foi o filme submetido a um exame técnico pelo laboratório aéreo-fotogramétrico da V.A. Cruzeiro do Sul S.A. É mister ressaltar que nos exames de projeção estereoscópica do filme, e pelo exame microscópico do grau [d] do filme, não foi evidenciado nenhum truque o que aliás era impossível uma vez que no rolo havia ainda às últimas chapas batidas a bordo alguns instantes do aparecimento e focalização fotográfica do disco.
Uma ampliação do objeto (50 vezes) permitiu vislumbrar duas manchas escuras na base do objeto e ampliações maiores com retoques sucessivos revelaram uma estrutura de aberturas numerosas e regulares (escotilhas) no bordo do objeto”. [1]
Breves notas de Alexandre Borges
[a] – Provavelmente, se refere ao capitão-tenente Nilson Gonçalves Damásio, encarregado dos serviços de eletrônica realizados na Ilha da Trindade.
[b] – A palavra seria “parado”, referindo-se que o navio-escola Almirante Saldanha parou mais duas vezes.
[c] – Correta grafia: “Tijupá”
[d] – Correta grafia: “grão”
Neste depoimento, Almiro Baraúna afirma que o capitão de fragata Paulo Moreira da Silva (1919–1983) teria filmado o disco voador sobrevoando a Ilha da Trindade. Esta informação também foi publicada pelo jornal O Globo, de 22 de fevereiro de 1958. [2] Dias depois dessa publicação, em 26 de fevereiro, o próprio jornal O Globo entrevistou o capitão, que afirmou não ter visto nada nos céus:
“Realmente, eu estava a bordo naquela ocasião, e mesmo no convés do Saldanha. Não vi nada, mas tive a minha atenção despertada pela comoção que percebi, no convés, à aparição de alguma coisa no céu”. [3]
O jornal Correio da Manhã, de 23 de fevereiro de 1958, também desmentiu o boato da filmagem:
“Não é, todavia, exato que um oficial o tenha filmado com uma câmara cinematográfica.” [4]
O Boletim SBDEV nº 4 e o depoimento do capitão de corveta Carlos Bacellar
Reproduzimos, abaixo, o conteúdo de outro boletim da SBDEV, de nº 04 de 01 de julho de 1958. Nele, o ufólogo Walter Karl Buhler descreve a ocorrência de uma palestra sobre o episódio pelo capitão de corveta Carlos Alberto Ferreira Bacellar (1924–1980), então comandante do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) na oportunidade da ocorrência do caso Ilha da Trindade.
Bacellar não viu o suposto “disco voador” quando estava embarcado no navio-escola Almirante Saldanha, mas disse acreditar nas fotografias de Baraúna, apesar de ressaltar que não falava em nome da instituição Marinha, concedendo aos presentes da palestra apenas sua opinião particular:
“Comandante Bacellar: este brilhante oficial da nossa Marinha, honrou-nos com interessante palestra sobre o caso que preferiu chamar de ‘objeto não identificado na Ilha da Trindade’ — para nós, o caso de disco voador na Ilha da Trindade.
Falando unicamente como técnico de meteorologia que é a sua especialidade na Marinha, o Comandante Bacellar salientou de início o caráter não oficial da sua narrativa, à qual imprimiu um cunho técnico, realístico e leal.
A nosso ver, o caso do disco voador da Ilha da Trindade se revestiu de especial importância porque o veículo espacial foi visto várias vezes sobre a ilha, onde estavam sendo realizados observações para o Ano Geofísico Internacional e onde, para esse fim, estava ancorado o navio Almirante Saldanha.
Foram focalizados, também, as discutidas fotografias de A. Baraúna, — para nós, atualmente, acima de qualquer suspeita quanto a hipótese de fraude — mas da qual muitos duvidam. Depois de estudos das várias possibilidades de fraude e de análise respectiva com participação do auditório, concluiu o Comandante Bacellar que seria de um para um milhão esta possibilidade e apenas porque não teria sido usado um ‘filme virgem’, autenticado pela Marinha.
A Sociedade torna público seus agradecimentos ao Comandante Bacellar e espera não só ter outras oportunidades de ouvi-lo em interessantes palestras, como que, de futuro, homens de igual padrão intelectual e moral tratem do assunto com a seriedade que merece.” [5]
Download dos boletins da SBDEV
Faça o download do Boletim da SBDEV nº 16, de 01 de julho de 1960
Faça o download do Boletim da SBDEV nº 04, de 01 de julho de 1958
Referências
[1] BUHLER, Walter Karl. O disco voador na Ilha da Trindade. Boletim informativo da SBEDV, Rio de Janeiro, n. 16, 01 jul. 1960.
[2] Nenhuma palavra oficial sobre o caso do disco voador. O Globo, Rio de Janeiro, p. 6, 22 fev. 1958.
[3] O fotógrafo estava só quando revelou o filme. O Globo, Rio de Janeiro, p. 3, 26 fev. 1958.
[4] Declara oficialmente a Marinha: disco foi fotografado na presença de grande número de elementos da guarnição do NE Almirante Saldanha. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 1; 11, 23 fev. 1958.
[5] BUHLER, Walter Karl. O disco da Ilha de Trindade. Boletim informativo da SBEDV, Rio de Janeiro, n. 04, 01 jul. 1958.