Por revista IstoÉ, n. 1599, p. 88-89, 24 de maio de 2000.
Difícil encontrar um filho que não reconheça a voz da própria mãe. Para a escritora paulistana Hilda Hilst, que completou 70 anos em abril, bastou uma palavra: sim. Era 1973 e a poeta iniciava seus estudos sobre o fenômeno da transcomunicação, descrito pelo pesquisador sueco Friedrich Jürgenson.
Numa tentativa de gravar ondas radiofônicas em um gravador de rolo, ela e o sobrinho Roberto captaram o que seria a voz de dona Bedecilda Vaz Cardoso, mãe de Hilda, morta três anos antes.
“Perguntamos por minha mãe. No momento em que Roberto se despede, dizendo ‘Espero que esteja tudo bem, que a senhora esteja feliz’, ele faz uma pausa antes de continuar a frase ‘e que continue zelando por nós’”, relata a autora de poemas densos como Cantares do sem nome e de partidas e livros como O caderno rosa de Lori Lamby. “Nessa pausa ouve-se perfeitamente o ‘sim’, que reconheci como a voz de minha mãe”, conta Hilda.
Assombrada pelo fantasma familiar da loucura, que destruiu a vida do pai, o jornalista e poeta Apolonio Hilst, e anos depois levou a mãe ao sanatório, Hilda foi chamada de maluca pelos amigos. Em especial, pelos amigos físicos. A pedido de IstoÉ, ela descreve sua experiência com a gravação das vozes do Além:
“Ninguém levava a sério e às vezes chegavam a ser hostis. Levei as fitas para meu amigo Bráulio Pedroso, no Rio de Janeiro. Ele convidou uma amiga física para ouvir. Mas apenas me gozaram, riram muito e eu sai aborrecida. Newton Bernardes, em Campinas, brincava comigo dizendo que eu mandava alguém subir na figueira para irradiar as interferências.
O Newton me levou até o César Lattes. Quando expliquei o fenômeno, ele apenas respondeu: ‘A senhora tem uma voz muito grossa pro meu gosto.’
Perguntei: ‘Por quê? O senhor acha que eu sou lésbica?’
Ninguém levava a sério nem acreditava, como até hoje ninguém acredita.
Por serem físicos ligados à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cheguei a propor que o experimento fosse realizado dentro de uma Gaiola de Faraday (aparelho semelhante a uma gaiola que isola qualquer objeto colocado em seu interior dos sinais eletromagnéticos externos), como já vinha ocorrendo no Exterior, pois esse procedimento anula a possibilidade de interferências de ondas de rádio, telefones, satélites, televisão e outras.
Não consegui. Nenhum deles se interessou. O Newton chegou a dizer: ‘Se isso tudo for verdade, a gente tem de sentar na calçada e repensar toda a Física.’
‘Pois sente’, eu respondia.
O Mário Schenberg, muito meu amigo, chegou a dizer: ‘Hilda, se eu pedir a Gaiola de Faraday para essa experiência, perco meu emprego. Já é tão difícil falar com os vivos, imagine com os mortos.’”
Hilda Hilst, a “sabi(l)da”, como Carlos Drummond de Andrade a imortalizou num poema, dedicou várias horas diárias à gravação das mensagens sonoras ao longo da década de 80. As experiências aconteciam em seu retiro espiritual, a Casa do Sol, fazenda distante 11 quilômetros de Campinas, no interior de São Paulo, onde ela mora desde 1966 na companhia de 80 cães.
Para Hilda, o estudo da transcomunicação representou a “certeza definitiva do depois da morte.” “Endosso a frase de Gabriel Marcel: ‘Somos seres para a eternidade, mais que para a morte’”, diz a autora de 41 livros, entre peças teatrais, poesia e ficção erótica apimentada. “Eu acredito e sempre acreditei na imortalidade da alma.”
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