Promotores de teorias da conspiração afirmam ter descoberto em Marte ruínas de uma antiga cidade construída por marcianos. Eles dizem que a existência dessas ruínas marcianas está sendo ostensivamente acobertada da população pelas agências espaciais.

Ruínas de uma antiga cidade marciana

Segundo alegam os conspiracionistas, a imagem apresentada abaixo seria a prova da existência de uma antiga cidade construída por inteligências alienígenas no solo do planeta Marte. Segundo eles, a região apontada pelas duas setas em vermelho indicaria o local exato onde estão localizadas as ruínas dessa antiga cidade. Esta imagem foi obtida pela sonda Mars Express da Agência Espacial Europeia (ESA). Ela também pode ser vista em seu site oficial (clique para ampliar): http://spaceinimages.esa.int/Images/2004/01/Valles_Marineris_perspective_view_HRSC_image_14_January

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No detalhe abaixo podemos ver uma das regiões indicadas pelas setas. Nessa ampliação, os conspiracionistas dizem que as ruínas da antiga cidade marciana estão praticamente soterradas:

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Na ampliação dessa outra região apontada pela seta, os conspiracionistas dizem que é possível observar uma construção alienígena com formato geométrico perfeito, inclusive com topo plano. Além disso, alegam que é também possível observar ruínas de uma antiga cidade ao seu redor:

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O templo zigurate marciano

Uma das pessoas que promove comercialmente esta imagem no Brasil é a autointitulada autoridade em assuntos do planeta Marte e pesquisador de discos voadores Marco Antonio Petit. Até hoje e, há longos anos, ele apresenta essa imagem em palestras.

Ele alega que essa imagem demonstra a existência de ruínas de uma antiga construção alienígena em Marte e de que sua atual existência está sendo acobertada da população pelas agências espaciais. Ele divulga essa imagem para revelar o que diz ser “a verdade” sobre as construções artificiais alienígenas que os homens das agências espaciais escondem de nós.

Em uma dessas oportunidades ele apresentou esta imagem em rede nacional de televisão, no programa do apresentador Jô Soares, da Rede Globo. O vídeo de sua aparição pode ser assistido no site do YouTube. Ele disse o seguinte sobre ela:

“Isso é uma antiga ruína que foi fotografada próximo do equador do planeta Marte, não pela NASA, mas pela Agência Espacial Europeia, no ano de 2004. Repare nos patamares e as formas geométricas presentes ali. 

Ele tenta convencer o apresentador Jô Soares de que esta imagem mostra ruínas de antigas construções marcianas, apresentando uma versão em negativo dela. “Aí em negativo pra realçar a forma geométrica, que são dois retângulos perfeitos”, diz.

Reconhecido por possuir uma inteligência apurada, Jô Soares visivelmente demonstra nem um pouco convencido com seus “achados arqueológicos” marcianos. Seu descrédito não poderia ser diferente; todas as imagens do planeta Marte que o promotor de teorias da conspiração apresentou em seu programa têm explicações absolutamente naturais.

Marco Antonio Petit tenta convencer Jô Soares de que descobriu em Marte um “complexo de ruínas” construído por marcianos. As tais “ruínas” somente existem em sua imaginação.
Marco Antonio Petit tenta convencer Jô Soares de que descobriu em Marte um “complexo de ruínas” construído por marcianos. As tais “ruínas” somente existem em sua imaginação.

Em outra oportunidade mais recente, em 2012, Petit apresentou essa imagem em sua palestra. Ele afirmou que uma área dessa imagem mostra “um complexo de ruínas de padrão geométrico”. Depois, disse que em outra região da mesma imagem é possível visualizardois retângulos perfeitos de aproximadamente 100 metros de altura”. 

Como ele calculou esses 100 metros de altura é um grande mistério para nós. Ele ainda acrescentou que esta construção não poderia ter sido feita por meios naturais, defendendo queisso não foi feito por acaso, pelo vento marciano ou por erosão a base de água no passado”.

Alguns entusiastas da conspiração defendem que essas “ruínas” seriam algo parecido com um antigo templo zigurate. O zigurate era uma forma de templo que foi criada pelos povos que viviam no vale da Mesopotâmia, principalmente pela civilização suméria… aqui na Terra mesmo.

Este tipo de templo apresenta o formato de uma pirâmide com vários andares construídos um por sobre o outro. Cada nível superior tem uma área menor do que o nível inferior, o que visualmente apresenta o aspecto de uma pirâmide em escada. Veja o desenho de um templo zigurate:

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Abaixo, vemos um real templo zigurate na cidade de Ur, no Iraque:

zigurate-ur-iraque

Ao olhar a imagem das “ruínas” marcianas com topo plano e com “padrão geométrico” disposto em patamares, os promotores da conspiração alegam que esta construção poderia ser um templo sumério alienígena. Veja abaixo o detalhe:

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Como desmoronar um mistério que nunca existiu

Será que esta imagem da sonda Mars Express é realmente a prova de que estamos diante de uma antiga cidade alienígena marciana? Essa imagem que os conspiracionistas vendem por aí é uma visão em perspectiva de uma região do planeta Marte conhecida como Valles Marineris. Essa região do vale contém penhascos e acidentes geográficos conhecidos como mesas. [1]

As mesas são conhecidas por possuírem topos planos, e nós podemos ver muitas delas na região que cobre esta imagem e adjacências. Entretanto, não é essa a explicação para o que é visto especificamente nesta imagem. A explicação para ela é mais ridícula do que uma solução geológica.

Segundo a própria ESA informa, essa região foi fotografada pela câmera estereoscópica HRSC (High Resolution Stereo Camera) a bordo da sonda Mars Express, em sua órbita 18, a 275 km de altitude. A região está situada na coordenada 5ºN, 323ºE. Na verdade, não há ruínas de uma antiga cidade marciana aqui! Essa imagem é um Modelo Digital de Terreno (DTM) e, como tal, sujeito a erros bem conhecidos que podem ocorrer no processamento da imagem.

As fotografias da missão Mars Express, obtidas pela câmera estereoscópica HRSC, são enviadas ao controle da missão em Terra para que os cientistas as processem. Um dos produtos que os cientistas geram dessas imagens são os Modelos Digitais de Terreno e as ortoimagens. [2] [3] Abaixo nós podemos ver algumas etapas de processamento dos dados brutos até a geração do DTM e das ortoimagens: 

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Essa imagem da Mars Express não é exatamente uma fotografia batida dessa perspectiva do terreno marciano. Ela é um modelo 3D, construído digitalmente com os dados da elevação do terreno obtidos pelo sensoriamento remoto da câmera estereoscópica HRSC. [4]

O “templo zigurate” e as outras formações em blocos vistas nessa imagem são apenas artefatos do modelo digital. Eles não existem fisicamente lá em Marte. As imagens obtidas pela câmera HRSC são armazenadas a bordo da sonda Mars Express pela técnica da Transformada Discreta de Cosseno (DCT), que faz a compressão desses dados.

Dependendo de alguns fatores, ao trabalhar no processamento das imagens no momento da geração do Modelo Digital de Terreno poderá acarretar esses artefatos em forma de blocos [3] [4]

Os aficionados da conspiração olharam para o Modelo Digital de Terreno e enxergaram os artefatos gerados digitalmente. Por não terem conhecimento técnico e possuírem uma fervorosa credulidade em burlescas teorias da conspiração pensaram que esses níveis de imprecisões digitais fossem estruturas físicas de um “complexo de ruínas” de uma antiga cidade marciana. As tais “ruínas marcianas” somente existem na imaginação dessas pessoas.

Basta uma simples olhada global na imagem promovida pelos conspiracionistas pra perceber que ela está cravejada de artefatos. Eu selecionei algumas outras duas regiões, onde é possível ver mais artefatos com aspectos de blocos:

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Para efeito de comparação, nós podemos também notar a existência de um “complexo de ruínas marcianas” aqui mesmo na Terra. Observem o falso “complexo de ruínas” nesta topografia do planeta Terra (esquerda) e compare com o de Marte. Sim, os “marcianos” também estão deixando suas “ruínas” por aqui. Eles são muito brincalhões e adoram pregar peças em conspiracionistas que exploram o tema comercialmente.

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A inexistência do “complexo de ruínas” marcianas

Inicialmente, podemos comprovar a inexistência das ruínas marcianas ao ver a imagem abaixo, que é exatamente a mesma fotografia da sonda Mars Express em sua órbita 18 — agora sem a visão em perspectiva 3D. Clique para ampliar, são 14 Mb. A fotografia também pode ser vista no site oficial da Agência Espacial Europeia:

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http://sci.esa.int/science-e-media/img/42/Valles_Marineris_25000_wide.jpg

Como vemos abaixo, nas duas regiões onde os conspiracionistas alegam existir as ruínas e o templo zigurate, não há absolutamente nenhuma estrutura artificial:

ruinas-inexiste-marte zigurate-inexiste-marte

Analisando a topografia do terreno

Com o objetivo de analisarmos melhor esta fotografia, eu trabalhei com os produtos DTM de melhor qualidade desta região do Valles Marineris. Nós vemos abaixo a região onde os conspiracionistas dizem existir um o “templo zigurate” e podemos constatar que ele simplesmente não existe. (Clique para ampliar):

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A imagem a seguir mostra a mesma região. Ela foi exagerada verticalmente três vezes por mim para acentuar a topografia do terreno:     

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Na imagem a seguir podemos constatar a inexistência do “complexo de ruínas”:    

dtm-ruinas-marte

Abaixo, a mesma imagem foi exagerada verticalmente duas vezes para acentuar a topografia do terreno. Não há nenhuma “ruína” de construções artificiais:   

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Cientista planetário desconstrói o “complexo de ruínas” marcianas 

Para soterrar o inexistente mistério do “complexo de ruínas” marcianas no Valles Marineris e as ridículas alegações conspiratórias que o rondam, eu contatei uma autoridade em Ciências Planetárias, o cientista Ralf Jaumann do Centro Aeroespacial Alemão (DLR). Ele é doutor em geologia e chefe do Departamento de Geologia Planetária do DLR.

Atualmente é o Investigador Principal (PI) da câmera HRSC da sonda Mars Express e um dos autores de três dos quatro artigos científicos que referenciei aqui. Ele é um cientista veterano que já trabalhou em várias missões espaciais, como a missão Cassini a Saturno e a missão Rosseta, que estuda o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko.

Eu enviei a ele a imagem da visão em perspectiva do “complexo de ruínas” e também uma das imagens DTM que gerei. Eu lhe questionei especificamente sobre o “templo zigurate” — essa formação com aspecto de uma pirâmide em escada — ser um artefato digital. Ele concordou e me respondeu:

A formação em degrau que é visível na visão em perspectiva é um artefato de processamento. No entanto, este exemplo é muito antigo, e parece ser um dos primeiros dados divulgados que foram produzidos na fase inicial da missão (início de 2004). Nós assumimos que o problema surgiu durante a produção da visão em perspectiva para a divulgação pública. Durante esta fase inicial muitos aspectos relacionados ao trabalho com os dados foram evoluindo rapidamente, o que é uma situação normal para uma nova missão espacial.

Cientista Planetário Dr. Ralf Jaumann
Cientista Planetário Dr. Ralf Jaumann. O “templo zigurate” é apenas um “artefato de processamento”

Nós gostaríamos de encontrar possíveis ruínas de antigas civilizações marcianas; esta seria uma descoberta fantástica. No entanto, o “complexo de ruínas” no Valles Marineris é apenas a cândida presença de artefatos digitais de um Modelo Digital de Terreno. Esta é apenas mais uma das falsas descobertas marcianas que está detonada:

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Referências

[1] LUCCHITTA, B.K.; ISBELL, N.K. et al. Topography of Valles Marineris: Implications for erosional and structural history. Journal of Geophysical Research, v. 99, n. E2, p. 3783–3798, 25 Feb. 1994.

[2] GWINNER, Klaus; SCHOLTEN, Frank et al. Derivation and Validation of High-Resolution Digital Terrain Models from Mars Express HRSC Data. Photogrammetric Engineering & Remote Sensing, v. 75, n. 9, p. 1127–1142, Sept. 2009.

[3] GWINNER, Klaus; SCHOLTEN, Frank et al. Topography of Mars from global mapping by HRSC high-resolution digital terrain models and orthoimages: Characteristics and performance. Earth and Planetary Science Letters, v. 294, n. 3-4, p. 506–519, 01 June 2010.

[4] JAUMANN, R.; NEUKUM, G. et al. The high-resolution stereo camera (HRSC) experiment on Mars Express: Instrument aspects and experiment conduct from interplanetary cruise through the nominal mission. Planetary and Space Science, v. 55, n. 7-8, p. 928–952, May 2007.

Alexandre de Carvalho Borges
Físico pela Universidade de Franca, Analista de Tecnologia da Informação pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Ensino de Astronomia pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Ensino de Física pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Perícia Forense de Áudio e Imagem pelo Centro Universitário Uninorte, pós-graduado em Inteligência Artificial em Serviços de Saúde pela Faculdade Unyleya, pós-graduado em Tradução e Interpretação de Textos em Língua Inglesa pela Universidade de Uberaba, e fotógrafo.

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