“Talvez o fenômeno UFO seja, intrinsecamente, noturno”, assim dizia em 1972 o astrônomo norte-americano Josef Allen Hynek (1910–1986) em seu clássico e importante livro The UFO Experience: A Scientific Study. Será que existe alguma relação entre o fenômeno UFO e a noite? Muitas questões podem ser formuladas e algumas respostas prováveis e possíveis podem ser sugeridas. A noite encerra o misterioso?
Para começarmos, basta indagarmos aos ufólogos ou simpatizantes do tema sobre qual período do dia os UFOs são mais avistados. Intuitivamente muitos responderão que a noite é onde as cortinas se abrem, onde abundam as visões que intrigam um observador.
Não é à toa que ufófilos e ufólogos seguem esta intuição, este saber, pois uma das bases da pesquisa ufológica, a vigília, é maciçamente realizada no período do ocaso do Sol, varando a madrugada em alto de morros ou planos que tenham uma visão esparsa do horizonte, longe das luzes dos centros urbanos.
Sistema de classificação de Hynek
Hynek criou um sistema de classificação para tentar tabular uma quantidade imensa de relatos e uma variedade colossal de aparições, acumuladas ao longo do tempo. Tal sistema tinha justamente como uma das características classificar o período do dia em que o fenômeno se manifestava, separando por Discos Diurnos (DD) e Luzes Noturnas (LN).
Sua classificação completa ainda incorporava o grupo Radar-Visual (RV) e a tríade CE I, CE II e CE III (os Close Encounter’s de Primeiro à Terceiro grau). As categorias DD, LN e RV estão praticamente hoje fora de uso, devido a sua imprecisão; também por alguns casos não se encaixarem nelas e ainda devido à possibilidade de outros relatos se misturarem em mais de uma categoria simultaneamente.
Apenas as categorias CE’s sobreviveram com o tempo, tendo uso até hoje, apesar de já terem sido adicionadas outros Graus de Encontros Próximos. Hynek descreve que a maioria dos relatos a que foi chamado explicar, a partir de 1948, e posteriormente como consultor do Projeto Blue Book da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), eram justamente as Luzes Noturnas.
Os UFOs preferem o período noturno?
Então, existirá um caráter acentuado dos UFOs em sua manifestação noturna do que a diurna? Serão os UFOs notívagos por essência, mas também capacitados a manifestar-se no período diurno por preferência?
Se assim for, talvez algo inerente em sua fenomenologia indicaria para a manifestação acentuada em ambiente noturno, mas não necessariamente uma ligação inseparável, podendo ter a liberdade de ocorrer em qualquer período. O que é, aliás, o que vem sendo registrado pelos humanos ao longo das décadas: o avistamento de corpos aéreos em quaisquer 24 horas de um dia.
Uma possibilidade antagônica disto seria de que não haveria conexão alguma entre os UFOs e a noite. Esta seria somente uma relação aparente, uma variável responsável indeterminada ou mesmo conhecida — mas não bem esclarecida — que esteja causando a interpretação de dados de modo errôneo. E Hynek, na condição de astrônomo, tinha por tarefa verificar se essa marcante presença noturna não poderia ser respondida como acontecimentos ordinários ou fenômenos naturais.
Depois da filtragem de dados, as Luzes Noturnas ainda permaneciam em quantidade considerável; suas características, como trajetória inusitada e comportamento cinético, não poderiam ser determinados como algo conhecido.
Hynek confessa que “as visões são mais frequentes à noite do que de dia; mesmo quando limitamo-nos unicamente aos casos desconcertantes e bem investigados — verdadeiros UFOs — ainda encontramos uma maior quantidade de casos noturnos”.
Apesar disto, o próprio arquivo pessoal do astrônomo não continha uma diferença marcante em ocorrências entre as Luzes Noturnas e os Discos Diurnos, o que ele explicava como um procedimento de cautela ao considerar válida as entradas no seu catálogo para a manifestação noturna.
A outra importante categoria criada pelo minucioso astrônomo, a Radar-Visual, também estava atrelada em aparições com ambiente desprovido de luz solar, fazendo-o declarar em 1972 que “praticamente todos os casos de Radar-Visual ocorrem à noite”.
Amputação de registros estatísticos
Existem padrões na manifestação UFO? Esta pergunta tão velha começou a ser formulada assim que o acúmulo de relatórios permitiu que se capacitasse fazer um estudo estatístico das aparições aéreas. Estudos e mais estudos foram feitos por diversos centros particulares de pesquisa sobre UFOs, conseguindo coligir modelos da sua manifestação. O que vem de interesse aqui são as estatísticas para o período do dia em que os UFOs são vistos.
Depois de alguns anos do fim do projeto Blue Book da USAF em 1969, Hynek revisou inúmeros dos casos relatados à Força Aérea durante os seus 22 anos de atividade envolvida na temática. Dos 640 casos de não-identificados, 42% deles eram da categoria de Discos Diurnos e 38% das Luzes Noturnas. O restante preenchia as outras categorias.
O próprio astrônomo se admirou que a categoria Luzes Noturnas não estivesse encabeçando a lista, visto que todos os outros estudos de centros civis de pesquisa, até então, apontavam neste sentido. Entretanto, as estatísticas gerais não estavam mentindo, os UFOs ainda eram mais vistos à noite.
A classificação de Hynek tinha sérios problemas neste sentido, como exemplo, muitos casos de discos vistos à luz do dia, e que também foram radarizados, ou casos de contatos próximos com humanoides, e também radarizados, podiam se alocar em duas categorias ao mesmo tempo, o que consequentemente uma das duas iria sofrer um desfalque e uma amputação de registros. Essa falha na arquitetura da classificação podia ser o responsável por camuflar os dados estatísticos.
Sistema de classificação de Vallee
Antes do trabalho de Hynek, outro sistema de classificação de UFOs já havia sido criado pelo astrofísico e cientista da computação franco-americano Jacques Vallee, junto com o ufólogo francês Aimé Michel (1919–1992) e o astrofísico Pierre Guerin, nos anos de 1961 e 1962. Este sistema visava perpetrar um estudo sistemático para o aglomerado de relatos providos da onda de UFOs na França em 1954.
As categorias criadas foram quatro, denominadas de Tipo I até Tipo IV. Posteriormente, em 1966 Vallee aplicou seu sistema para casos franceses e norte-americanos na tentativa de encontrar um padrão na distribuição de tempo diário das aparições… e encontrou!
Dentro de uma amostragem de centenas de casos, Vallee publicou em seu livro Challege to Science: The UFO Enigma referindo-se que “as observações de aterrissagem de UFOs [categoria Tipo I] ocorrem durante o dia somente raramente, entre 6:00 e 18:00 horas. Ao pôr do sol há um súbito aumento na frequência de observações, sendo que o ápice é atingido quase que imediatamente”.
Essas visões — de pousos — iam decaindo no correr da noite, mas apresentavam um segundo pico de ocorrências pela madrugada, chegando a zero por volta das 6:00 horas.
As observações que respondiam pela categoria Tipo III, criada pelo astrofísico, a de UFOs no céu executando movimentos irregulares ou somente parados, ocorriam em grande maioria no período das 18:00 às 24:00 horas. Os picos de atividade desta categoria estavam centrados entre 20:00 e 21:00, decaindo também no avanço da noite. Durante o dia, existia pouca manifestação ufológica desta classificação.
Por outro lado, os avistamentos do Tipo IV, UFOs no céu em movimento contínuo, ocorriam com maior frequência durante o dia, alcançando o auge ao se aproximar do pôr do sol. Em uma amostra de seiscentos casos da categoria Tipo IV, 60% deles foram de avistamentos entre o período das 17:00 às 23:00 horas.
Os casos do Tipo II, UFOs em formato cilíndrico, não entraram neste estudo por apresentarem um número alto de “ruído”. Vallee atestava que essa distribuição horária era a mesma em todos países que pôde verificar.
Analisando os avistamentos de UFOs registrados na Operação Prato
Com o objetivo de comprovar esta afirmação do eminente astrofísico, o autor deste artigo resolveu computar, em dados estatísticos, uma grande onda brasileira de UFOs, ocorrida na Amazônia e Pará no ano de 1977.
Essa onda regional ficou conhecida pelo nome dado às luzes, o fenômeno Chupa-Chupa, e foi estudado in loco pela Força Aérea Brasileira (FAB), criando a chamada Operação Prato, sob comando do capitão Uyrangê Hollanda (1940–1997). A operação expediu um relatório final de mais de 200 páginas, registrando inúmeras das manifestações aéreas.
É deste relatório que retiro uma amostra de 500 observações de UFOs, relatadas pela própria equipe de Hollanda e também por populares. Os resultados vêm a confirmar a afirmativa de Jacques Vallee, apresentando uma distribuição horária similar e maior manifestação ufológica no período noturno.
Nessa amostragem não foi adotada nenhuma categoria de classificação usada por Vallee ou Hynek, simplesmente foi considerado qualquer avistamento de UFOs como uma categoria única. Como resultado [ver gráfico], praticamente foi quase nulo o avistamento de objetos aéreos entre o período de 7:00 às 17:00.
A maior concentração de atividade ufológica desta onda brasileira ficou entre 18:00 e 24:00 horas (315 relatos, 63%), encontrando seu grande ápice de 19:00 para 20:00 horas (142 relatos, ou 28,4%, somente dentro desta hora). Ao correr da madrugada os relatos são menos intensos e só retornam a apresentar outro pico de 5:00 para 6:00 horas, sendo que a partir das 6:00 decaem bruscamente.
Deve-se salientar que toda avaliação da distribuição horária da manifestação ufológica em países diferentes tem que se levar em conta o horário local em determinada estação do ano e o momento do crepúsculo do Sol para cada região.
Desvendando as aparições noturnas dos UFOs
Por que as pessoas narram que observaram mais UFOs à noite? Será que os UFOs realmente se apresentam mais na nossa atmosfera neste período ou são os humanos que estão mais propícios para observações nesses horários? Antes de se buscar qualquer explicação extraordinária, deve-se tentar filtrar explicações prosaicas.
Precisamente, muitas desta proeminente presença de luzes no céu noturno poderiam, a priori, serem meteoros, balões iluminados, faróis de automóveis, estrelas, planetas, luzes de aeronaves, satélites, bando de aves iluminadas pelas luzes de uma cidade etc.
O escuro poderia dificultar a visão humana, provocando diversos erros de interpretação. Contudo, como astrônomo, Hynek excluiu todos os relatórios que indicavam essas possibilidades, e os números continuaram ainda a sinalizar pelo noturno.
Algumas hipóteses podem ser lançadas: talvez as pessoas despertem para essas visões noturnas devido a iluminação dos UFOs contra o background negro da abóbada celeste favorecer a atração da atenção humana, ao invés do céu diurno onde a iluminação dos UFOs quiçá seja mais ofuscada pela luz solar.
É algo relativo, mas comumente é mais fácil ver um objeto luminoso em céu noturno do que em céu iluminado. Muitos relatos de populares na Operação Prato descreviam que estavam em suas residências quando foram desviadas suas atenções por uma forte iluminação externa ou que adentrava suas casas.
Os horários onde acontecem picos de observações de UFOs, na noite, também poderiam ter como causa as atividades humanas e não necessariamente pela própria atividade ufológica. Vallee correlaciona que “o número de relatos de Tipo I [aterrissagem de UFOs] diminui gradativamente no progredir da noite, em proporção direta ao número de observadores em potencial (à medida que as pessoas voltam para casa do trabalho e vão dormir)”.
O segundo pico de atividade na madrugada poderia ser causado quando as pessoas acordam cedo para ir ao trabalho, deixando suas casas e, sendo os UFOs uma manifestação maciçamente em ambiente aberto, elas estariam sujeitas as estas observações.
De qualquer forma é de se questionar do porquê ao aglomerarmos o início e o fim da noite com a madrugada — momento este onde as pessoas estão dormindo —, existe ainda uma maior frequência de observações do que o período diurno, onde elas estão acordadas e em atividade.
Hipóteses alternativas poderiam também tentar explicar porque eram vistos mais UFOs à noite, no período de quatro meses que durou a Operação Prato. Uma sugestão seria de que a equipe do capitão Hollanda não mantinha vigília 24 horas, e boa parte da manhã eles estavam dormindo para que de noite pudessem investigar os corpos luminosos (nome dado aos UFOs noturnos no relatório oficial). Consequentemente estavam pouco sujeitos a observações de aeromóveis (nome dado aos UFOs diurnos no relatório oficial).
Entretanto, o relatório oficial consta também de relatos de populares, e unindo a quantidade de relatores pode-se afirmar que praticamente existia uma vigília diária nos locais, assegurando-nos que as estatísticas não estão desviadas por essa variável.
De qualquer modo, para eliminar completamente toda variável que seja a causa das atividades corriqueiras humanas nesta questão horária, seria ideal uma vigília 24 horas, realizada por aparelhos eletrônicos – necessariamente, uma câmera de vídeo registrando todo o ambiente em volta e monitorando qualquer anomalia aérea. Tal vigília eletrônica já foi realizada no Vale de Hessdalen na Noruega, onde fluía uma intensa atividade ufológica nos anos 80.
Segundo os estudiosos do Projeto Hessdalen, 85% dos UFOs eram luzes avistadas em céu escuro e o restante eram objetos aéreos vistos em céu claro. O fenômeno, que era monitorado por diversos aparelhos além das câmeras, ocorria várias vezes por dia, mas sua concentração maior estava logo ao anoitecer ou na noite.
Era a derradeira conclusão de que, pelo menos neste Vale, os UFOs realmente apareciam em maior quantidade no período noturno, independente das atividades do dia a dia dos humanos.
Inibição do fenômeno pela ação da luz
Depois de analisarmos todos esses dados, uma pergunta se torna crucial: afinal, será que a manifestação ufológica seja inibida em certa parcela pela luz solar? Existiria uma semelhança aos animais notívagos, como o morcego ou a coruja? Ou existirá uma predileção qualquer pelo noturno, uma hipótese que diretamente associa inteligência aos UFOs?
É certo que os UFOs vem sendo registrados em qualquer hora de um dia, inclusive alguns clássicos casos ocorreram com o Sol a zênite. O famoso contatado brasileiro Alfredo Moacyr Uchôa (1906–1996) já ponderava em sua obra A parapsicologia e os discos voadores: o caso Alexânia se não existia algum denominador comum entre a inibição do fenômeno pela luz nas ectoplasmias em sessões espíritas e a inibição pela luz contra as manifestações ufológicas.
No resumo da sua experiência em vigílias no município de Alexânia, Goiás, ele sumarizou que “jamais os vimos [os UFOs] com qualquer claridade solar! … Sempre foi necessário sobrevir a obscuridade, superado o crepúsculo”.
O relatório do Projeto Hessdalen também menciona que as estranhas luzes noturnas eram raramente vistas no verão daquela região, tendo maior atividade na estação de inverno. Uma das razões lançadas pelos executores do projeto aventava a ideia de que as noites de verão no Vale de Hessdalen são intensamente iluminadas pela luz solar e, portanto, a iluminação poderia ser a causa da menor frequência de atividade.
Infelizmente, existem mais questionamentos do que soluções para esse enigma, e assaz diferentes hipóteses podem ser formuladas. Muitos outros pesquisadores acreditam que a resposta final seria de que os UFOs são naves de visitantes espaciais — que fazem suas incursões noturnas — se escondendo mesmo na penumbra para sempre permanecerem ocultos aos humanos.
Em vista desta alternativa, o que não se compreende seria porque estes tais extraterrestres, que desejem o anonimato, precisam surgir com suas naves profusamente iluminadas, despertando a atenção até do mais disperso mortal.
Referências
[1] HYNEK, J. Allen. Ufologia: uma pesquisa científica. Tradução de Wilma Freitas Ronald de Carvalho. Rio de Janeiro: Nórdica, 1972.
[2] Relatório da Operação Prato. Ministério da Aeronáutica, Primeiro Comando Aéreo Regional, 1977-1978.
[3] STRAND, Erling P. Project Hessdalen. Project Hessdalen website, 11 May 2000. Disponível em: <http://www.hessdalen.org/reports/Hessdal-article2000.shtml>.
[4] UCHÔA, A. Moacyr. A Parapsicologia e os discos voadores: o caso Alexânia. Brasília: Ed. Horizonte, 1979.
[5] VALLEE, Jacques. Confrontos: a pesquisa e o alerta de um cientista sobre contatos alienígenas. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo: Best Seller, 1990.
[6] VALLEE, Jacques; VALLEE, Janine. Desafio à ciência: o enigma dos discos voadores. Tradução de Maria Lúcia Azevedo e Eneas Theodoro Jr. São Paulo: Global, 1979.