Reproduzido neste site com a permissão do autor
Wellington Zangari
Depto. de Psicologia da Universidade de São Paulo
Inter Psi / Centro de Estudos Peirceanos / Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Semiótica / PUC-SP
Fátima Regina Machado
Pontifícia Universidade Católica- SP
Inter Psi / Centro de Estudos Peirceanos / Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Semiótica / PUC-SP
Os(as) autores(as) apresentam recomendações metodológicas aos(às) pesquisadores(as) da transcomunicação instrumental (TCI) por considerarem que existem variáveis não controladas que podem ser causadoras dos efeitos atribuídos a supostas “vozes paranormais” de origem espiritual.
Essas variáveis são classificadas em três grupos: variáveis psicológicas, variáveis técnicas e variáveis parapsicológicas. Os autores apresentam e discutem cada uma das variáveis e sugerem controles para as mesmas. Finalmente, os(as) autores(as) se colocam à disposição dos(as) transcomunicadores(as) para servirem de observadores(as) e assessores(as) em sessões de pesquisa de TCI que levem em conta as recomendações apresentadas.
Introdução
Durante os últimos meses, nós, autores(as) deste artigo, temos nos dedicado ao estudo da metodologia empregada em Transcomunicação Instrumental (TCI). A TCI, segundo os(as) transcomunicadores(as), é uma técnica que se vale de equipamentos eletrônicos, principalmente rádios, gravadores, televisões, videocassete e computadores, com a finalidade de captar vozes e imagens “paranormais” originárias, supostamente, de pessoas falecidas.
Em nossas leituras e observações a respeito das evidências apresentadas pelos(as) transcomunicadores(as) a favor da hipótese de origem espiritual das vozes paranormais, verificamos que alguns controles essenciais para eliminar hipóteses alternativas não são empregados adequadamente do ponto de vista metodológico, tornando tais evidências cientificamente questionáveis.
Este artigo visa apresentar algumas recomendações metodológicas aos(as) transcomunicadores(as) relativamente a uma das técnicas mais utilizadas, a da gravação das supostas vozes paranormais. Nosso objetivo é apresentar algumas das prováveis hipóteses alternativas acompanhadas de sugestões de soluções metodológicas que poderiam controlá-las de maneira efetiva.
Este artigo, portanto, não visa questionar a possibilidade ou a impossibilidade de que pessoas falecidas de fato se comuniquem. Não trata de questões metafísicas ou religiosas. Antes, trata de discutir a metodologia utilizada pelos(as) transcomunicadores(as) porque esta se pretende, ou busca ser, científica.
Do nosso ponto de vista, se os(as) transcomunicadores(as) almejam que suas pesquisas sejam cientificamente válidas, estes devem reconhecer a importância de tomar todas as precauções possíveis no sentido de controlar as variáveis que podem estar em jogo durante as sessões de pesquisa em TCI. Caso contrário, é impossível que uma hipótese, seja ela qual for, seja aceita em detrimento de outras.
Assim, esperamos que os(as) transcomunicadores(as) possam encontrar neste artigo um guia metodológico para aprimorarem suas pesquisas. Desta forma, queremos, de fato, estimular que pesquisas sejam feitas, mas também que as exigências metodológicas não sejam esquecidas em favor desta ou daquela hipótese. Apenas a pesquisa bem controlada poderá apontar qual ou quais hipóteses são aceitáveis.
A técnica
A técnica que servirá de base para nossa avaliação, a de gravação de supostas vozes paranormais, consiste em que o(a) transcomunicador(a) ligue o equipamento de gravação e faça perguntas ao(s) supostos espírito(s) com quem quer estabelecer contato. Após cada pergunta os(as) transcomunicadores(as) aguardam em silêncio por alguns segundos, período em que supõem estarem o(s) espírito(s) “falando”.
Após o término da sessão de registro, que dura cerca de 15 minutos, voltam a fita (ou arquivo, quando a gravação é feita com o uso do computador) ao início do período de gravação e ouvem-na para verificar se alguma “voz paranormal” surgiu conforme o esperado. Ao mesmo tempo em que as perguntas são gravadas, também o são ruídos de fundo previamente produzidos para esta finalidade.
Segundo os(as) transcomunicadores(as), os espíritos dos mortos modulariam os elétrons produzidos por esta fonte de ruído para poderem tornar materiais seus pensamentos, permitindo assim seu registro pelos equipamentos de gravação. A fonte de ruído pode variar conforme a técnica empregada, apesar de a recomendação mais recente ser a de que esse background sonoro deva ser produzido a partir da gravação de vozes humanas sobrepostas.
Dez vozes masculinas e dez vozes femininas são gravadas independentemente e, posteriormente, são sobrepostas para produzir uma “massa sonora” de fundo. Já foram utilizados outros ruídos de fundo, principalmente o ruído branco, mas segundo os(as) transcomunicadores(as), sem o mesmo resultado.
Geralmente, os(as) transcomunicadores(as) realizam suas sessões individualmente, mas há ocasiões em que vários transcomunicadores(as) se encontram com a finalidade de trocarem informações técnicas, apresentarem os melhores resultados de suas pesquisas individuais e, também, realizarem uma sessão grupal de TCI.
Nas sessões individuais os(as) transcomunicadores(as), basicamente, utilizam um gravador ou computador como ferramenta de gravação das perguntas e possíveis vozes paranormais e outro equipamento – comumente outro gravador ou um rádio sintonizado entre duas estações ou algum instrumento construído especificamente para servir como gerador de ruído – gera ou reproduz a fonte de ruído.
A utilização dos computadores tem sido altamente recomendada entre os(as) transcomunicadores(as) uma vez que estes permitem o emprego de programas de edição de som que facilitam a identificação de supostas vozes paranormais.
Variáveis Alternativas
A seguir, faremos a apresentação sucinta das variáveis que sempre deveriam ser controladas e dos controles que poderiam ser empregados nas pesquisas de TCI. Essas variáveis serão divididas em três subseções, a saber: variáveis psicológicas, variáveis técnicas e variáveis parapsicológicas.
VARIÁVEIS PSICOLÓGICAS
Fraude deliberada
Sempre que se intenta investigar qualquer fenômeno cuja natureza é desconhecida ou ao menos presumida e os efeitos observados não são replicáveis à vontade e não apresentam homogeneidade, deve-se levar em conta a hipótese da fraude. A história da utilização deste expediente na investigação de fenômenos parapsicológicos, por exemplo, começa ao mesmo tempo que a própria Pesquisa Psíquica.
São exemplares as sessões realizadas com Eusápia Palladino, nas quais variados truques para a produção de fenômenos de efeitos físicos foram realizados muitas vezes sem a percepção dos não-treinados nas Artes Mágicas.
A própria Eusapia Palladino afirmou que se valia de truques sempre que possível. Algumas das razões psicológicas e psicossociais que levam à utilização desse expediente são: a tentativa de manutenção do efeito quando este não emerge de fontes paranormais, a manutenção do status de “grande médium” ou “grande pesquisador(a)”, objetivos econômicos, desequilíbrio emocional de leve a severo e desvios morais. Estas razões podem se somar umas às outras, tornando complexa a apreensão total das causas que levam alguém a valer-se de fraudes.
Parece-nos imprescindível que a investigação em TCI seja controlada em relação à variável fraude. Recomendamos, pois, que às investigações sejam convidadas pessoas que acompanhem os procedimentos do(a) investigador(a), preferencialmente descrentes dos efeitos ou das interpretações dadas aos efeitos obtidos.
Como a pesquisa em TCI tem se tornado cada vez mais técnica com o emprego de equipamentos eletrônicos cada vez mais sofisticados, sugerimos que se dê atenção especial à fraude técnica, ou seja, aquela em que o(a) pesquisador(a), utilizando recursos técnicos, como por exemplo, recursos de um programa de edição sonora ou de imagens, produza um efeito que originalmente não estava ocorreu.
É relativamente simples, por exemplo, produzir efeitos sonoros a partir do grande volume de informações sonoras encontradas em um arquivo. Pode-se facilmente deslocar trechos sonoros de um local para outro, como se se tratasse de uma resposta “paranormal”.
Pode-se, ainda, com a utilização de filtros, deformar os sons presentes, de maneira a produzir uma “voz” que responderia a determinada indagação. A presença de um técnico em eletrônica ou de uma pessoa que saiba operar os programas e os equipamentos utilizados é, portanto, altamente recomendável.
Fenômenos projetivos e de atribuição da causalidade
Dá-se o nome de fenômeno projetivo ao fato de um indivíduo reconhecer padrões em um evento caótico. O fenômeno de atribuição da causalidade, por seu turno, pode ser definido como o sentido ou interpretação emprestada a um evento qualquer. O indivíduo, por assim dizer, projeta seus conteúdos psicológicos, expectativas, crenças, em um evento qualquer, ainda que sua natureza seja caótica, sem sentido.
Estes fenômenos psicológicos, já investigados há mais de um século pela Psiquiatria, pela Psicologia (sobretudo pela Psicanálise e pela Psicologia Social), têm sido utilizados, inclusive, com finalidades diagnósticas. Os testes projetivos, por exemplo, formam uma família de testes em que este princípio é aplicado.
O mais conhecido destes testes, o Rorscharch, emprega cartões com manchas de tinta, semelhantes às manchas simétricas obtidas a partir da colocação de tinta em uma folha e que é, então, dobrada uma vez e desdobrada.
Cada observador vislumbra alguma imagem nas manchas de maneira semelhante às figuras vistas ao se observar as nuvens. No caso específico da pesquisa em TCI, o(a) observador(a) poderia, em alguns casos, não ver ou ouvir alguma manifestação “paranormal”, mas interpretá-la como tal mediante o mecanismo da projeção e da atribuição da causalidade.
Um ruído qualquer oriundo, por exemplo, do mecanismo do próprio gravador, poderia ser interpretado, posteriormente, como uma resposta ou comentário de fonte “espiritual”. Evidentemente, tal hipótese apenas seria válida para sons e imagens nada nítidas ou pouco nítidas, em que haveria que se fazer certo “esforço” para se reconhecer algum padrão organizado no evento.
Para que a projeção e a atribuição da causalidade venham a ser controladas, recomendamos que os(as) investigadores(as) em TCI ou aceitem apenas os sons e imagens perfeitamente nítidas, em que todos os observadores reconheçam o mesmo efeito ou, ao aceitarem efeitos pouco nítidos, realizem um processo de análise grupal e “cego”. Nesta última hipótese, seriam chamados, pelo menos, mais quatro transcomunicadores(as) treinados(as) para ouvirem (ou verem) o som (ou imagem) obtido.
Sem ter acesso à interpretação de seus colegas, cada transcomunicador(a) oferece sua interpretação por escrito. Após os 5 palpites, abrem-se as folhas de registro de interpretação. Apenas no caso de haver concordância em pelo menos três dos cinco palpites é que se considerará o efeito como digno de investigação posterior.
É comum verificarmos em seções de apresentação de gravações ou imagens o seguinte expediente: o(a) transcomunicador(a) revela sua interpretação do evento (som ou imagem) e, apenas posteriormente, apresenta a gravação ou imagem registrada. Este procedimento não é aconselhável, já que pode haver uma indução da percepção dos assistentes.
Em alguns casos, no entanto, mesmo a utilização deste expediente, não parece suficiente para garantir concordância perceptual entre a captação supostamente paranormal e a interpretação. Algumas vezes, verificamos que a interpretação do(a) pesquisador(a) que registrou certo efeito é contestada pelos assistentes. Isto mostra a necessidade de maior objetividade na avaliação dos efeitos registrados.
Fenômenos dissociativos
Os fenômenos dissociativos são registrados na literatura psiquiátrica desde final do século XVIII, quando o hipnotismo passou a merecer interesse científico e acadêmico. No entanto, apenas em meados do século XIX esses fenômenos passaram a ser investigados de maneira sistemática. Os fenômenos dissociativos são aqueles em que as ações de um indivíduo são realizadas aparentemente sem que a sua consciência ordinária se dê conta disso.
Haveria, portanto, uma dissociação entre as ações e a consciência. Os estudos clássicos de Pierre Janet são exemplos dessa fenomenologia. Janet estudou o automatismo psicológico e constatou a existência dos fenômenos dissociativos não apenas nas ações que se tornam automáticas pelo treino (como tocar um instrumento musical) mas também em ações que nunca foram executadas por um indivíduo.
A escrita automática seria um exemplo. Independentemente do grau de consciência que a pessoa tenha durante o ato de escrever automaticamente, seu braço parece prescindir da vontade consciente para realizar tal operação.
Se é possível que realizemos atos sem que tenhamos consciência de como o realizamos e, algumas vezes, sem que tenhamos sequer consciência de que o realizamos, podemos levantar a hipótese de que, em algum momento, alguém possa cometer uma fraude inconsciente. Sobretudo quando estão implicadas crenças em relação ao efeito esperado e, mais ainda, quando se espera uma informação de alguém com quem temos (ou tivemos) um forte laço emocional.
É importante dizer que os fenômenos dissociativos não estão presentes apenas em pessoas com desequilíbrios mentais. Processos dissociativos são relativamente frequentes em todos os seres humanos, sobretudo em situações emocionalmente fortes e/ou acompanhadas de atividades que podem ser indutoras de alterações de consciência, como aquelas em que se encontram, muitas vezes, os(as) transcomunicadores(as).
O som do ruído de fundo e o relativo isolamento acústico necessários para algumas pesquisas podem ser altamente indutores de alterações de consciência. Um(a) pesquisador(a) poderia, durante um processo dissociativo, mudar sua voz, provocar ruídos (por meio de sua própria voz ou valendo-se de algum objeto), e responder às perguntas que ele(a) mesmo fez, sem se dar conta de que esteja sendo o(a) autor(a) destas ações.
Tratar-se-ia, portanto, de fraude inconsciente (no caso, uma espécie de ventriloquia inconsciente, já apontada por alguns críticos da TCI), portanto não deliberada, em que o(a) transcomunicador(a) não seria responsável pelos seus atos.
A amnésia possível após a alteração de consciência, fenômeno comum na hipnose, poderia levar o(a) transcomunicador(a) a interpretar as respostas como não provenientes dele(a). Assim, recomendamos que a variável dissociação seja controlada pelos(as) investigadores(as) da TCI. Nossa sugestão é que se empregue algum meio objetivo de controle da dissociação. Não se trata de controlar a situação de forma que a dissociação não ocorra, mas de que esta seja identificada caso venha a ocorrer.
O mais simples e eficiente método de controle é a utilização de uma filmadora que seria ligada durante as seções de pesquisa e focalizaria todas as ações do(a) transcomunicador(a). Ao se verificar posteriormente a gravação, poder-se-ia constatar se o(a) transcomunicador(a) realizou algum tipo de ação não reconhecida por ele(a).
A presença de um(a) observador(a) externo, como o(a) que estaria controlando outras variáveis psicológicas e técnicas, poderia ser uma alternativa mais barata e simples, apesar de menos aconselhável.
VARIÁVEIS TÉCNICAS
Captação de ruídos não controlados
Todos os ruídos não esperados em uma gravação devem ser interpretados como paranormais? Os(as) próprios(as) transcomunicadores(as) reconhecem que não. Há ruídos que o(a) transcomunicador(a) produz inadvertidamente, ruídos próprios dos equipamentos de gravação e ruídos de fora do local da gravação, como carros, aviões, helicópteros, cães, pássaros, vizinhos ou pessoas que passam conversando pela rua. Esses sons devem ser controlados.
O local das seções de pesquisa deve ser isolado acusticamente. Quando este recurso não for possível por questões econômicas ou outras, deve-se manter um protocolo de controle de ruídos externos, preenchido pelo pesquisador(a) e pelo(a) observador(a) externo(a). Assim, todos os ruídos que forem gravados inadvertidamente estarão registrados por, pelo menos, um dos presentes à seção.
Ainda em relação à captação de ruídos não controlados, temos que lembrar que as fitas cassetes encontradas no mercado são, muitas vezes, fitas já utilizadas e que passaram por um processo de desmagnetização. Apesar disso, não podem ser consideradas fitas virgens. Estas podem apresentar ruídos em background que, por sua vez, podem ser confundidos com supostas vozes paranormais.
Assim, recomendamos que, se o(a) transcomunicador(a) se valer de fitas cassetes para suas seções de pesquisa, façam-no com fitas de marcas tradicionais no mercado e, ainda assim, sempre avaliem as mesmas, ouvindo-as em volume alto antes de utilizarem-nas.
Caso seja reconhecido algum som de fundo, resultado da má desmagnetização, a fita não deve ser utilizada, a não ser que um profissional a desmagnetize novamente com os cuidados técnicos necessários. Uma solução mais econômica seria o registro desse ruído no protocolo acima mencionado de forma que o mesmo não seria levado em conta no momento de avaliar a gravação.
Outro cuidado que o(a) transcomunicador(a) deve ter em relação a esta temática relaciona-se com a captação de ondas hertzianas convencionais, já que alguns gravadores comuns podem servir como antenas receptoras de estações de rádio.
Além disso, a própria fonte de ruído utilizada por alguns(as) transcomunicadores(as), como a utilização de ruído branco proveniente de rádios “fora de estação”, pode não ser aconselhável porque dependendo da intensidade do sinal da estação de rádio – que é variável de acordo com vários fatores – pode-se captar, inadvertidamente, sinais de alguma estação.
Assim, recomendamos que, no caso de serem utilizados gravadores, que estes estejam dentro de dispositivos que impeçam a entrada de ondas de rádio convencionais, como a Gaiola de Faraday. Ainda melhor seria fazer a gravação em sistemas de computador, menos sensíveis às ondas de rádio, desde que a fonte geradora do ruído seja também gerada de maneira controlada, por exemplo, pelo próprio computador.
O último tema técnico que gostaríamos de tratar relaciona-se à fonte de ruído utilizada. Há uma recomendação feita pelos(as) próprios(as) transcomunicadores(as) para que se seus colegas não utilizem ruídos brancos, mas uma massa sonora resultante da gravação de vozes humanas, como já foi mencionado.
Esse tipo de ruído, apesar de inventivo, pode levar a alguns problemas de avaliação. Na medida em que são vozes humanas, os ruídos de fundo podem se prestar mais facilmente às interpretações projetivas já comentadas.
A voz do(a) transcomunicador(a), sobreposta a esse tipo de ruído, pode produzir novas variações sonoras, permitindo novas interpretações projetivas. Nossa recomendação é a de que, ao utilizarem esse tipo de ruído, os(as) transcomunicadores(as) gravem as perguntas e o ruído em diferentes canais, de forma que a análise sonora seja feita comparando-se o ruído de fundo pré-existente com aquele gravado durante a seção.
Esta análise diminuirá os erros de interpretação visto que se deterá exclusivamente naqueles pontos da gravação que diferem do ruído de fundo.
VARIÁVEIS PARAPSICOLÓGICAS
Efeito do experimentador
De todas as variáveis apresentadas neste trabalho, as parapsicológicas são aquelas que mais problemas trazem ao(à) transcomunicador(a). Em primeiro lugar, porque são as menos conhecidas já que, comparativamente, há menos estudos parapsicológicos que psicológicos ou técnicos. Há, portanto, muitas dúvidas quanto ao funcionamento e à extensão dos fenômenos parapsicológicos.
Em segundo lugar, porque representam uma “pedra no sapato” do(a) transcomunicador(a) em relação à interpretação dos efeitos registrados. Em certos casos é impossível afirmar com segurança se um dado efeito teve como fonte uma manifestação parapsicológica do próprio(a) pesquisador(a) ou não.
Como o leitor deve saber, os(as) parapsicólogos(as) estudam, basicamente, três tipos de fenômenos: a) a percepção extra-sensorial (ESP), que compreende fenômenos como a telepatia, a clarividência e a precognição; b) a psicocinesia (PK), popularmente conhecida como “poder da mente sobre a matéria”, presente nos casos de poltergeist e de estudos experimentais de micro-PK ou PK-biológica em que o agente intenta produzir, respectivamente, efeitos microscópicos cuja verificação depende de equipamentos de mensuração, e efeitos sobre organismos vivos, como a mudança de estados fisiológicos e, c) a possibilidade de sobrevivência após a morte.
Durante os últimos 60 anos tem havido uma grande discussão entre os(as) parapsicólogos(as) relativamente à possibilidade de eles próprios estarem atuando como agentes em suas pesquisas de ESP e/ou PK em vez do(a) agente experimental. Assim, os resultados de suas pesquisas poderiam ser atribuídos, pelo menos parcialmente, a eles próprios, que se utilizariam de suas capacidades parapsicológicas para obterem resultados que convalidariam suas hipóteses experimentais.
Há consenso de que esta possibilidade existe e está demonstrada. Há casos até mesmo cômicos relacionados a este particular. Conta-se que um eminente parapsicólogo, ao investigar a possibilidade de animais possuírem alguma capacidade parapsicológica, acabou por eletrocutar, até a morte, seus sujeitos experimentais: baratas!
Não é preciso dizer que ele odiava este tipo de insetos! Apesar da longa discussão a respeito desta variável, existem poucos recursos técnicos para isolar a possibilidade de o(a) pesquisador(a) influenciar parapsicologicamente – por ESP ou PK – os resultados de sua pesquisa.
No caso da TCI, os ruídos ou sons que são interpretados como tendo uma origem paranormal têm como agente o(a) pesquisador(a) ou não? Como saber? Este é um problema que a própria Parapsicologia ainda não tem meios seguros para oferecer.
De qualquer forma, há algumas técnicas utilizadas pelos(as) parapsicólogos(as) que poderiam também ser empregadas pelos(as) transcomunicadores(as) para ao menos diminuir a possibilidade de que suas capacidades parapsicológicas fossem responsáveis pelos efeitos registrados. A principal delas provêm também da pesquisa científica tradicional e é conhecida como técnica do “duplo-cego”. Trata-se de uma situação na qual nem o pesquisador nem o sujeito experimental sabem qual é o efeito esperado.
É conhecido o uso desta técnica na pesquisa de medicamentos, por exemplo. Os efeitos de um medicamento devem ser testados em um grupo de pessoas. Esse grupo é dividido em dois e apenas metade dele recebe o medicamento, enquanto a outra metade recebe uma substância inócua, chamada de placebo. Ocorre que nem os sujeitos nem os pesquisadores sabem quem tomará o medicamento e quem tomará o placebo.
As pessoas são codificadas e os frascos contendo as substâncias são enviados para elas de maneira aleatória. Apenas depois de um tempo pré-determinado de pesquisa e de registro das ocorrências fisiológicas dos sujeitos experimentais é que o(a) pesquisador(a) abrirá a “chave” que demonstra quais são as pessoas que tomaram cada substância. Este procedimento garante o controle de algumas variáveis psicológicas como o relacionamento entre o(a) pesquisador(a) e o sujeito experimental, a profecia auto-cumpridora e a sugestão.
No caso da TCI, a técnica de duplo-cego não pode ser aplicada da mesma maneira dadas as condições em que a pesquisa se desenvolve: não há sujeitos experimentais, já que o(a) próprio(a) pesquisador(a), sozinho(a), basta para a execução dos procedimentos.
Por outro lado, é possível adaptar a situação de pesquisa de maneira a utilizá-la com a finalidade de reduzir a possibilidade de que capacidades parapsicológicas do(a) pesquisador(a) venham a impressionar, de alguma forma, as fitas e os arquivos gravados. Para isso, haveria que se construir uma situação de pesquisa em que as perguntas seriam pré-gravadas e o equipamento de gravação fosse ligado em momentos aleatórios, sem o conhecimento do(a) pesquisador(a).
Todos os equipamentos seriam ligados ao mesmo tempo – fonte de ruído, gravador contendo a fita com as perguntas pré-gravadas e o gravador que registraria o possível efeito esperado. Existem dispositivos no mercado (temporizadores) cujo baixo custo e facilidade de emprego poderiam ser utilizados sem a necessidade de se fazer adaptações.
Se o(a) pesquisador(a) utiliza sistemas computadorizados, um programa de geração de eventos (períodos, no caso) aleatórios poderia ser adaptado para servir à mesma finalidade. O fundamento teórico desta sugestão reside no conhecimento bem estabelecido de que o ser humano parece utilizar suas capacidades parapsicológicas em situações em que ele está envolvido, como em uma necessidade premente, uma informação necessária para a obtenção de algo que lhe é importante.
A situação de pesquisa com períodos aleatórios não elimina a possibilidade de que, mesmo à distância e desconhecendo conscientemente o momento em que o efeito é esperado, o(a) pesquisador(a) venha a produzir algum efeito parapsicológico. Sabe-se que os fenômenos psi são determinados por princípios inconscientes e que para o inconsciente não há distância temporal e/ou espacial.
Entretanto, as pesquisas revelam que a utilização da técnica do duplo-cego reduz em muito esta possibilidade, provavelmente porque durante o período da seção experimental, o(a) pesquisador(a) estaria fazendo uso de psi para finalidades relacionadas àquele momento, respeitando o princípio da economia neuro-psicológica.
Mencionamos acima que a interpretação do efeito “paranormal” é, muitas vezes, impossível de ser atribuída ou não ao(à) pesquisador(a). Quando o efeito – uma voz, por exemplo – revela algum conhecimento paranormal, como o apelido de alguém ou um segredo aparentemente só guardado pelo suposto espírito que estaria se comunicando e por uma pessoa viva, costuma-se, no meio espírita, preferir a hipótese da comunicação com os espíritos.
No entanto, é importante que se tenha consciência de que efeitos como estes têm sido obtidos e registrados em toda a história da Parapsicologia. Mencionamos que dentre os fenômenos estudados por esta ciência, encontra-se a percepção extra-sensorial.
Toda a pesquisa realizada modernamente tem dado evidências experimentais da existência de que o ser humano possui a capacidade de conhecer, sob certas circunstâncias, o conteúdo mental de pessoas que se encontram à distância no tempo e no espaço.
Temos visto muitos espíritas se referirem ao inconsciente como uma espécie de arquivo morto, quando as pesquisas demostram que, longe de ser apenas um depósito de informações, o inconsciente está em atividade, processando informações, associando-as, criando novos dados e, como demonstram as pesquisas parapsicológicas, recolhendo dados mesmo que estes estejam para além das possibilidades dos sentidos físicos conhecidos.
Pensamos que a dificuldade de determinar a fonte – pessoas vivas ou não – é ainda um problema científico a ser resolvido, a não ser que coloquemos nossas crenças acima da pesquisa.
Comentários finais
Os autores deste trabalho estão cientes de que se as sugestões apresentadas forem aceitas, os(as) transcomunicadores(as) terão que mudar seus procedimentos de pesquisa.
No entanto, no curso de nossa pesquisa, acompanhamos várias alterações no procedimento, no emprego de diferentes equipamentos, no tipo de ruído utilizado, no questionamento de uma ou outra técnica. Isto nos deu a entender que há um interesse contínuo de melhorar a pesquisa, trazendo sempre elementos que tornariam os efeitos mais seguros e confiáveis.
Assim, não acreditamos que exista qualquer resistência por parte daqueles(as) que optarem por uma metodologia mais adequada aos preceitos seguidos por todas as ciências. Essa metodologia se faz necessária sobretudo em um momento em que existem muitas pessoas envolvidas na pesquisa de TCI. Verificamos que há um clamor por uma padronização dos métodos e das técnicas utilizadas em TCI.
Desejamos que este artigo possa inspirar os(as) pesquisadores(as) de TCI. Mais do que adotar as sugestões aqui apresentadas, esperamos que reconheçam a necessidade urgente de se empregar uma metodologia confiável para o estudo em questão.
Acreditamos que a pesquisa em TCI seja tão legítima quando qualquer outra e que apenas garantindo o controle rigoroso das variáveis apresentadas será possível convencer a comunidade científica e, talvez, a humanidade, da importância dos dados obtidos por esta técnica.
Nossa avaliação é de que a TCI está em franca evolução metodológica, mas ainda está longe de se igualar metodologicamente a qualquer outra ciência. Por outro lado, nenhuma ciência nasceu com o grau de evolução presente.
Nosso esforço e desejo ao escrever este artigo foi o de oferecer meios objetivos, concretos, de acelerar tal evolução. Assim, mais do que expor nossas ideias, gostaríamos de nos comprometer com a pesquisa em TCI. Colocamo-nos, pois, à disposição de qualquer pesquisador(a) para servirmos como observadores externos ou consultores em seus esforços investigativos para o desenvolvimento de suas técnicas de pesquisa.
Estamos, ainda, à disposição para discutir as sugestões apresentadas em foros especializados, oferecendo mais dados e soluções metodológicas do que o espaço deste artigo nos permitiu apresentar. De maneira graciosa e prazerosa, esperamos ajudar aos que se nos apresentarem com objetivos de desenvolvimento de suas atividades de pesquisa.
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Nota de Alexandre de Carvalho Borges: este artigo foi também publicado em duas partes na revista Espiritismo & Ciência, ano 2, n. 8, p. 26-33 de agosto de 2003 e ano 2, n. 9, p. 34-41 de setembro de 2003. Reproduzimos aqui no nosso site com a permissão do autor.